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O Impacto Psicológico da Pandemia

A Saúde Mental. A vários níveis. Em vários contextos.




A pandemia surgiu e trouxe um forte impacto às nossas vidas. Adaptações a nível profissional ou perdas no mesmo, alteração das nossas rotinas comuns, afastamento de tantos locais pelos quais nos movimentávamos, contacto contínuo com uma situação global de doença e luto, sobreposição de tarefas profissionais e educativas no mesmo espaço, perdas financeiras, distanciamento social (sendo o mais lesivo o das pessoas com quem mantemos relações afectivas constantes e importantes)... Entre outras alterações...

Quanto mais o tempo passa, mais conscientes estamos do impacto psicológico que surge da globalidade da situação, para além do impacto na saúde e na economia.

Um recente artigo do The Lancet, que está a servir de base para muitos outros, alerta-nos que o impacto psicológico da pandemia, e sobretudo o da quarentena associada, é influenciado por vários factores, entre os quais: a duração da mesma, o nível de medo da infecção, falta de bens básicos, nível de tédio, problemas económicos, sensação de sobrecarga por tarefas diferentes, sensação de isolamento e distância de pessoas com as quais se mantêm relações afectivas de suporte.


Capacidade de adaptação


Um dos pontos que está a ser fortemente desafiado em nós próprios é a nossa capacidade de adaptação.

Segundo o Wikipédia, “todas as características que adequam os seus possuidores a algo, geralmente, são ditas adaptativas e permitem que os seres vivos desenvolvam uma certa harmonia com o ambiente, ajustando-se, assim, para a sua sobrevivência num determinado local.”

Esta é uma informação importante, na medida em que nos permite perceber que a capacidade de nos adaptarmos implica o desenvolvimento de estratégias internas que nos possibilitam ajustar-nos de forma harmoniosa e adequada ao nosso contexto e às situações que vão sucedendo nele.

Geralmente, perante a novidade podemos agir de formas diferentes. Pode haver um “entusiasmo” inicial perante o novo, que posteriormente vai enfraquecendo com o passar do tempo. Mas pode também existir um sentimento de resistência perante o novo, sendo que a partir do momento em que o novo se vai tornando mais conhecido, pode ser mais fácil para o indivíduo desenvolver um comportamento adaptativo.

No início, alguns olhavam para esta situação como uma oportunidade, tendo-os auxiliado a lidar com este novo estado em que vivemos, mas com o passar do tempo, a situação pode estar a despertar outros sentimentos e pensamentos.

Num sentido mais concreto, desenvolver comportamentos adaptativos pode passar por desenvolver estratégias de confronto de problemas, procurar um sentido e propósito para o sucedido, desenvolver um plano de rotinas que proporcione bem-estar, para além dos deveres e tarefas associadas, entre outros possíveis comportamentos, ajustáveis sempre perante aquilo que sucessivamente se vai passando dentro e fora de nós.

Na situação atual, e visto ser uma situação colectiva e global, a partilha de experiências de algumas pessoas que conseguiram desenvolver níveis adequados de adaptação perante a situação, pode ser importante para sugerir caminhos para outros que ainda não o fizeram.

Por outro lado, pode ter o sentido inverso, visto que a pessoa pode sentir que não está a conseguir adaptar-se a vários níveis à situação, como outros estão a fazer, e sentir-se diferente, inferior ou incapaz.

Nesse caso importa começar por perceber e integrar que é normal termos sentimentos de perturbação, tristeza, frustração e tédio, entre outros, nesta situação, e que todos, com mais ou menos intensidade, e em tempos diferentes ou semelhantes, os vamos sentir.

Importa assim começar por aceitar os sentimentos internos que possam surgir e vê-los como normais perante esta situação.

Na verdade, todas as nossas emoções e sentimentos são normais ou adequados, na medida em que representam uma expressão do que dentro de nós se passa.


A esperança


“Para Morais, Mascarenhas e Ribeiro (2011), a esperança é um fenómeno humano que pode ser entendido como a atitude ou o sentimento que se caracteriza pela adoção de ideias otimistas em relação a futuros resultados, sendo portanto, a aspiração a algo a partir de uma situação difícil de suportar. “

Desta forma, entendemos que a esperança pode também ter um papel importante na forma como nos adaptamos à situação presente, conseguindo encontrar uma perspectiva ou visão de futuro ou tão simplesmente a percepção de que existe um futuro, permitindo-nos isso lidar mais eficazmente com a situação presentemente vivida.


Quais as emoções e estados mais comuns?


De uma maneira geral, a maior parte das pessoas, sentirá episódios relativamente leves de ansiedade, frustração, medos ou estados depressivos.

O surgimento de emoções ou estados associados pode ser influenciado pela própria individualidade e histórico de cada um, associado às características da situação atualmente vivida, que podem ser diferentes de pessoa para pessoa. Algumas sentem-se menos sobrecarregadas, outras mais, umas mantêm os seus empregos, outras não, umas estão próximas de quem amam, outras não.

Assim, as emoções que surgem são sempre fruto da própria individualidade da pessoa, da forma como em geral sente, vive e pensa a sua vida interna e externa, mas também de factores externos influenciadores.

Brooks e cols (2020) realizaram uma revisão sistemática sobre este tema incluindo estudos relacionados a surtos ou epidemias entre 2004 e 2019, podendo tal ajudar-nos a entender alguns pontos relativamente à atual situação que vivemos.

A maioria dos estudos indica efeitos psicológicos negativos como “sintomas de stress pós-traumático, sintomas depressivos, tristeza, abuso de substâncias, estado mental confuso e irritabilidade. Especialmente entre profissionais de saúde, observou-se maior probabilidade de ocorrência de exaustão, distanciamento social, ansiedade perante pacientes febris, irritabilidade, insónia, dificuldade de concentração, indecisão, prejuízo na performance laboral, relutância ao trabalho ou resignação. Poucos estudos relataram pacientes em quarentena com sentimentos positivos como felicidade, alívio e proteção.”

Rubins & Wessely (2020) descrevem os efeitos psicológicos tomando como modelo a cidade de Wuhan, China em 2019-2020. Os autores citam ansiedade, pânico e preocupação com a falta de bens alimentares, mas reforçam que a base de toda a tensão e sentimentos negativos consiste no medo da incerteza, do desconhecido, do descontrolo, e especialmente da morte. “

"A primeira coisa a fazer é aceitar que podemos não nos sentir bem. A restrição de liberdade já dura há algum tempo. É natural que existam sensações de irritação, nervosismo, ansiedade, as quais podem notar-se mais com o tempo", diz Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, num artigo publicado no Observador.


Qual a necessidade que temos de proximidade social para o nosso bem-estar?


A quarentena e isolamento, que são experiências diferentes, podem implicar ambas um distanciamento social.

A proximidade social e as relações afectivas são um factor de extrema importância no nosso bem-estar.

“Segundo Sarafino & Smith, (2014), o suporte social torna-se essencial na redução do impacto do evento stressante e ajuda a pessoa a adaptar-se, desenvolvendo competências para que consiga enfrentar e delinear alternativas quando em situação de stress (Rodrigues & Madeira, 2009), sendo igualmente essencial para que o indivíduo mantenha a sua autoestima, fornecendo feedback e incentivo para a resolução e domínio da situação stressante (Thoits, 1995). Recorrendo ao estudo de Carvalho et al., (2011), indivíduos com suporte social têm mais força e capacidade para lidarem com eventos negativos (reduzindo a existência do stress). O suporte social é assim essencial na adaptação psicológica, tornando-se um fator de proteção e de impulsionamento do bem-estar (Coelho & Ribeiro, 2000). “ (in Tese A Relação entre o Bem-estar Subjectivo, o Suporte Social e a Esperança, na População Prisional, de Mafalda Godinho de Moura Nogueira)

O suporte social, nesta situação, pode manter-se... À distância.

O facto de a situação que está a ser vivida ser uma situação global e colectiva incentiva a percepção de suporte social, mesmo que, para além das relações afectivas mais próximas.

Frequentemente, redes sociais, meios de comunicação, entre outros, procuram partilhar informação que facilita e auxilia a vivência pessoal e pode assim ser um facilitador do bem-estar.

Mas pode ser sentida a falta de toque, contacto físico e presença, visto que existem menos pessoas a circular ao nosso redor, muitos estão sozinhos, e não podem sentir a presença física ou toque dos que lhes são próximos afectivamente.

O contacto físico é de extrema importância na nossa vida, sendo inclusive uma das primeiras sensações de afecto que sentimos, enquanto bebés, e das quais temos uma forte necessidade primordial.

Assim, o toque é sentido como uma base de afecto nas nossas vidas e tem um forte impacto positivo no nosso bem-estar. E este está bastante limitado neste momento.


De que forma nos influencia a avaliação que fazemos desta situação?


“Um dos principais investigadores do bem-estar subjetivo, Ed Diener, definiu o conceito como a avaliação que as pessoas fazem das suas vidas (Diener, Suh, & Oishi, 1997), tendo em conta valores, necessidades e sentimentos pessoais, separadamente dos valores universais ou da qualidade do funcionamento psicológico (Novo, 2003). Assim, o conceito de bem-estar subjetivo enquadra-se numa avaliação que o indivíduo realiza, que pode ser positiva ou negativa e, inclui julgamentos e sentimentos que o indivíduo faz de forma subjectiva relativamente à sua vida (Diener, 2000; Diener & Ryan, 2009).

Assim, o nosso bem-estar, que é sempre subjectivo, ou seja, é individual, pessoal e fruto das prioridades, importâncias ou associações de prazer de cada um, depende também da avaliação que cada um pode estar a fazer relativamente à sua vida no momento atual.

Também, a maneira como olhamos para esta situação e os pensamentos que desenvolvemos sobre ela têm um forte impacto no estado emocional associado a esta vivência.

O encontro de sentidos e propósitos para esta vivência, muito enunciado nos últimos tempos, pode ser importante para gerir emocionalmente a vivência atual.

Segundo Viktor Frankl, psiquiatra que viveu nos campos de concentração, e criador da Logoterapia, a necessidade mais profunda do ser humano é de ter sentido na vida. E quando falamos de sentido, não falamos apenas de um sentido geral e único, mas de vários sentidos e propósitos, que são motivadores e impulsionadores de pensamentos, acções e emoções, para a vivência de uma determinada experiência sentida como perturbadora ou de sofrimento.

O Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses diz ainda que devem manter-se algumas atividades que ajudem a suportar o tempo de isolamento, defendendo: "Será bom dar um significado àquilo que estamos a fazer quando estamos em isolamento".

Pode também ler o artigo "Covid – 19 e agora?" para uma reflexão geral sobre possíveis sentidos daquilo que estamos a viver.


O impacto psicológico em profissionais de saúde


Os profissionais de saúde estão especialmente expostos ao impacto psicológico negativo da pandemia.

Factores como a sobrecarga e excesso de horas de trabalho, menos condições de trabalho do que numa situação comum, falta de elementos essenciais para a sua protecção, exposição constante ao vírus, medo de contagiar aqueles que mais amam, cansaço excessivo, contacto em quantidade superior com situações de morte e contágio, pressão que se podem colocar sobre eles mesmos, entre outros factores.

Assim, os profissionais de saúde estão na linha da frente dos que podem sentir um impacto psicológico mais perturbador.



As crianças


As crianças são seres que necessitam naturalmente de movimento. Essa é uma realidade que contrasta atualmente com a necessidade de confinamento, onde o movimento baixa substancialmente.

Precisam também de se relacionarem, desenvolvendo várias competências e aprendizagens em contacto com os seus pares.

Desta forma os pais poderão sentir maiores níveis de frustração, ansiedade e agitação nas crianças, perante a situação atual.

No caso dos adolescentes, a necessidade do grupo e das relações com os pares, num momento da vida procura de maior autonomia dos pais, é enorme, e verem-se distanciados dessa possibilidade e de algumas rotinas que tinham com os seus amigos e grupo podem também originar maiores níveis de frustração, ansiedade e estados depressivos.


Os Pais


Os pais, na sua maioria, estão neste momento a deparar-se com uma grande dificuldade: a sobreposição dos seus empregos, em teletrabalho, com a necessidade de prestarem apoio aos seus filhos na escola, sendo tudo isto realizado muitas vezes nos mesmos horários e no mesmo espaço.

É um forte desafio à adaptação visto que os pais estão neste momento a sentirem-se sobrecarregados com o “assumir de um papel semelhante ao dos professores”, não o sendo.

E não são. Será importante aqui prestar o apoio necessário, mas ao mesmo tempo permitir às crianças